Nos últimos meses você deve ter ouvido inúmeras vezes o termo “novo normal”, mas eu acho que devemos começar a falar de "novo consumidor" também. Afinal, como será o comportamento de consumo de todos nós no pós-pandemia?
Esse é um cenário que não conseguimos prever com assertividade, dadas as infinitas variáveis e correlações ocultas que não conseguimos definir qual será o novo comportamento. Aliás, deixa eu abrir uma parêntese: tentar prever o futuro é algo com o que tenho duelado muito, ultimamente. Vejo que devemos nos adaptar para seja lá o que estiver vindo em nossa direção, com as ferramentas que temos hoje, mas sem essa ânsia, já tão peculiar à nossa raça, de tentar adivinhar como o futuro vai ser.
Ele vai ser – e essa é a única certeza com a qual podemos, agora, contar. Então, não tente prevê-lo, mas adaptar-se ao que estiver acontecendo, agora, para conseguir continuar nessa toada amanhã e depois.
De toda forma, o que sabemos é que o comportamento vai mudar, fatalmente, já que o próprio mundo está mudando - assim como nossas relações de trabalho, os relacionamentos pessoais e até nosso jeito de viver dentro de casa. Se tudo ao redor não é mais o mesmo, porque a forma como consumimos seria?
Acreditar que tudo vai ser como sempre foi, só porque já circulam por aí imagens de filas quilométricas para entrar em lojas de luxo, na China após o lockdown, ou em frente a Stradivarius, em Portugal entre outras, é uma forma de pensar à moda antiga, e diminuir um leque imenso de evidências a dois ou três eventos isolados.
Fazendo um exercício na persona de “especialista em comportamento humano” – que é, inclusive, uma das competências do meu livro "6 Competências para Surfar na Transformação Digital" –, levantei alguns comportamentos que, observados após o relaxamento do distanciamento social em alguns países, podem moldar o perfil do novo consumidor. Seguem:
#1 Low Touch
A pergunta da vez é: como eu consigo consumir, ainda mais no mundo físico, com o mínimo de contato possível? O consumidor precisa ter certeza de que, quando vai às compras, está se expondo ao menor risco.
O conceito de Low Touch Economy, introduzido esse ano pela Board of Innovation, tem tudo para moldar a forma com que serão desenhadas as experiências de consumo a partir de agora, tanto pelo lado das marcas quanto pelas expectativas do consumidor. Obviamente, nesse contexto, o e-commerce e os canais digitais serão cada vez mais importantes.
Temos visto essa movimentação nos Estados Unidos, onde a penetração do e-commerce no modo de compra, em relação às vendas totais das empresas, tem crescido nas últimas 8 semanas na mesma proporção que cresceu nos últimos 8 anos. Isso se deve ao fato de que o cliente, antes de sair de casa, se pergunta:
“o estabelecimento onde eu vou é seguro?”, ou“Isso é bom para minha saúde?”.
Essas são as novas perguntas que o consumidor vai se fazer, a partir desse ano, e certamente isso vai influenciar na sua escolha por locais de consumo, privilegiando estabelecimentos com altos padrões de segurança – e menos pontos de contato e exposição física.
Inclusive, cantei a bola no LinkedIn sobre uma potencial nova área de gestão das empresas: a Safety Experience (SX) – que se tornará tão vital quanto a User Experience (UX), Customer Experience (CX), ou a Brand Experience. Se não chegou a ler a postagem ainda, pode ver ela aqui: gerou uma discussão bem legal. E você, o que acha?
#2 Glocalização
Em um mundo mais localizado e menos globalizado, que pode ser definido como "glocalizado" – a ponto de merecer artigo na The Economist intitulado “Is Globalization dead?” –, ou seja, um mundo com mais restrições de viagens e deslocamentos, e com a experiência de consumo muito longe do próprio lar, comunidade ou país, as perguntas que ficam na cabeça do consumidor é: “como descomplicar meu consumo?” e "como meu consumo beneficia minha comunidade local, ou meu entorno?".
Em outras palavras, qual é a facilidade de acesso e o grau de localização do produto e serviço que estou consumindo – e quanto a saúde dessa empresa beneficia a minha comunidade local?
Sim, o novo consumidor tende a valorizar mais o que é local e de fácil acesso, deixando sua forma de movimentar a economia mais geolocalizada.
Esse desejo está refletido nos produtos que os consumidores já compram de produtores locais, em detrimento de grandes marcas, e também na forma com que compram, apoiando os pequenos empreendimentos que estão ao seu redor. Isso foi mais fortalecido ainda pela disrupção na cadeia logística do comércio mundial, que diante do fechamento de fronteira (agora estamos vendo um relaxamento aos poucos), fez os países e os cidadãos neles se perguntarem "Como eu dependo menos do exterior para alimentar meu consumo?". Esse comportamento nasce de movimentações macroeconômicas, mas que acabam impactando a decisão do consumidor na ponta.
#3 Gratificação imediata
O conceito de gratificação imediata pode ser ilustrado pela situação da sua pia. Que levante a mão o ser superior que adora lavar louça e espera ansiosamente por esse momento a cada refeição. Ninguém, né? O que fazemos, muitas vezes, é deixar a louça se acumular, pois é bem mais gratificante não fazer nada depois de comer do que ficar em pé, lavando pratos.
O problema é que, ao escolher a gratificação imediata do descanso pós-almoço, teremos a pia para lavar depois – só que com a sujeira ainda mais agarrada aos utensílios. Aí, temos dois cenários: a gratificação imediata e o atraso da gratificação imediata, ambos gerando um retorno específico.
A expectativa do consumidor na experiência de compra ou consumo já é de gratificação imediata, a partir de aplicativos como Rappi, iFood e outros líderes do e-commerce, com entregas cada vez mais rápidas. Isso sem falar da Amazon Prime, que vem quebrando barreiras em termos de entrega.
Essas empresas estão acostumando o consumidor à gratificação imediata como parte do novo normal. Afinal, de que adianta vender produtos em marketplaces digitais se não há uma excelente logística de entrega para garantir o imediatismo da gratificação?
Por outro lado, trabalhar da forma correta o atraso da gratificação também pode ser útil a tantas outras empresas, principalmente as menores – mas, claro, quando isso fizer sentido. Tenho visto vários empresários, principalmente do ramo da culinária artesanal, como pães e bolos, lançarem cardápios semanais de entrega em até dois ou três dias, a partir de itens exclusivos. Na Itália se popularizou alguns anos atrás o conceito de slow food, e é possível que essa contratendência aos ritmos loucos do mundo digital possa surgir a cada vez mais no mundo pós-pandemia.
Assim, vale mais a pena esperar pela entrega do pão de chocolate que vai chegar quentinho à sua casa do que entrar na primeira padaria do bairro – e que, talvez, nem comercialize esse tipo de pão –, sem saber se ela está adaptada às normas de segurança, colocando a saúde em risco, certo?
A linha entre o atraso da gratificação e a gratificação imediata é tênue e precisa ser encarada de forma estratégica para que você não meta os pés pelas mãos. Na dúvida, lembre-se: o consumidor quer ainda mais o produto agora e, preferencialmente, sem sair de casa. O que você pode oferecer, nesse sentido?
#4 Transparência e sustentabilidade
Se, antes, esses valores eram tidos como vantagens competitivas, em 2020 – e adiante – se tornarão cada vez mais obrigatórios, e a explicação está justamente no aumento das opções de consumo que temos a partir da entrega a domicílio de muitos produtos, inclusive roupas, acessórios e outros itens que, geralmente, comprávamos apenas em lojas.
A partir de agora o consumidor passa a se perguntar mais se a empresa da qual compra pratica o que prega e está alinhada a seu propósito individual. Sendo curto e grosso, no more bullshit: o novo consumidor não aceitará nada menos que a verdade.
Nesse cenário, é importantíssimo às marcas anunciar, de forma cada vez mais clara, a proveniência de seus itens, customizando a oferta às necessidades locais e, sempre que possível, engajando-se com as comunidades locais de forma relevante. Isso se conecta totalmente ao ponto da "glocalização".
Além disso, o consumidor também está se perguntando mais se a compra que realiza é boa para si, se é, de fato, necessária, e se privilegia, de alguma forma, sua comunidade, o meio ambiente e o mundo.
Fique esperto: quem priorizar apenas os lucros, a partir de uma atitude transacional, vai ser relegado nas escolhas de compra. O novo consumidor está tentando minimizar o desperdício de comida e itens, e mais ligado a questões como sustentabilidade e movimento DYI (Do It Yourself, ou faça você mesmo).
Bom, podemos dizer que de forma geral, nos vemos como não existe uma receita única e clara para definir os novos comportamentos do consumidor.
Isso por dois motivos principais: o primeiro é obviamente devido a imprevisibilidade do momento presente. Sem saber quando e como o novo normal será, seria arrogância se sentir na posição de dizer "eu sei como vai ser".
O segundo ponto é que, como em tudo, no "novo normal" será importante achar um equilíbrio, pois seria errado dizer apenas que o novo consumidor irá buscar consumir com a maior segurança de saúde possível: pois pode ser bem o caso que a experiência de compra fique tão ruim ou chata, que irá ser substituída por algo menos seguro mas mais "divertido".
O grande desafio em termos de Safety Experience (SX) será sobre achar um equilíbrio entre dois cenários mais extremos que são a se evitar:
por um lado, voltar igual antes em termos de experiência física é fora de contemplação: isso vai deixar o consumidor assustado ao não saber que nenhuma nova medida de cuidado da saúde foi implementada, ou pelo menos comunicada (informação é chave aqui).
por outro lado, implementar tantas medidas de cuidado e segurança até o ponto a experiência deixa de ser prazerosa , ou faz o consumidor acabar se sentindo, de fato, infectado mesmo não o sendo.
Tenho visto casos de estabelecimentos ou até consultórios médicos que reabrem iguais a antes, assustando o consumidor (eu não iria!), assim como outros que são tantas as medidas que perde-se vontade de ir.
Qual o segredo?
Temos que achar o sweet spot, um ponto de equilíbrio no meio, e está aí a chave do sucesso da Safety Experience no novo normal.
E você, como acha que nos comportaremos, como consumidores, no contexto do “novo normal” ?
Andrea Iorio
Digital Transformation Speaker and Best-Selling Author
Andrea Iorio é palestrante, escritor best-seller, já foi Diretor do Tinder e CDO na L’Oréal. Aborda temas como Transformação Digital, Liderança, Vendas e Foco no Cliente. Em paralelo atua como investidor anjo, em apps como o Zen, líder na área de meditação, e o Filmr, de edição de vídeos que ganhou como Melhor do Ano de 2019 pela Apple. Andrea é graduado em economia pela Universidade Bocconi, em Milão (Itália), e com Mestrado em Relações Internacionais pela Universidade Johns Hopkins, em Washington (EUA), e hoje é uma das maiores referências nacionais em transformação digital, liderança e potencialização de novos negócios no país.
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